Com o avanço da tecnologia e da comunicação, a consequente chance de perpetuidade dos dados e notícias divulgados e da popularização do gênero true crime em diversas produções, uma discussão tem retornado aos maiores tribunais do país: o direito ao esquecimento.
Um dos fatores que reacenderam o debate recentemente foi o lançamento da série documental “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez” pela plataforma de streaming HBO MAX.
Em 1992, a atriz e bailarina Daniella Perez foi assassinada por Guilherme de Pádua e sua esposa, Paula Thomaz, em um crime cruelmente premeditado. A morte prematura da jovem de 22 anos mexeu com o país. O assassinato da Daniella, filha da autora e produtora brasileira, ganhadora do Emmy Internacional, Gloria Perez, ganhou notoriedade e ocupou as primeiras páginas dos jornais nacionais por anos.
A produção tornou-se a série original mais assistida na plataforma no Brasil e América Latina em seus primeiros dias de exibição, superando estreias bem-sucedidas de títulos nacionais e internacionais na plataforma de streaming. Consequentemente, a repercussão do documentário resgatou o debate sobre o direito ao esquecimento e a liberdade de imprensa.
O direito ao esquecimento consiste na possibilidade de que o indivíduo não queira que um fato ocorrido em determinado momento, mesmo que verdadeiro, seja exposto ao público. Pois o episódio é capaz de gerar transtornos ou sofrimento, em razão do período de tempo decorrido, por meio de veículos de comunicação social.
Apesar de configurar uma discussão recente no mundo jurídico brasileiro, o direito ao esquecimento, também conhecido como o “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”, aparece há décadas nos casos e decisões judiciais de outros países.
Um dos primeiros casos famosos de que temos notícia aconteceu nos Estados Unidos, em 1918. Na ocasião, Gabrielle Darley era envolvida com prostituição e tinha sido acusada de homicídio, mas foi inocentada de tal crime. Por isso, a parte procurou a justiça a fim de ser reparada pelos danos que aconteceram em razão da exposição indevida de sua vida privada e o tribunal entendeu que ela tinha o direito de ser esquecida por fatos de sua vida passada.
No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional, considerando que é uma consequência do direito à privacidade, intimidade e honra, assegurados pela CR/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21).
Alguns autores afirmam ainda que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
O direito ao esquecimento não se aplica apenas a fatos ocorridos no campo penal, uma vez que a discussão quanto ao direito ao esquecimento surgiu, de fato, para o caso de ex-condenados que, após determinado período, desejavam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, o que lhes causava inúmeros prejuízos.
No entanto, esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos.
- Como é o entendimento dos tribunais brasileiros?
No Brasil, não há uma legislação específica que disponha sobre o tema ou que o reconheça. Por tal fato, a legalidade foi muito discutida.
Os tribunais do país estavam perante diferentes entendimentos, já que em determinados momentos o direito ao esquecimento era tido como direito legal e constitucional e, em outras ocasiões, os magistrados decidiram pela impossibilidade de ele existir pela colisão com a liberdade de expressão.
Para a Terceira Turma do STJ, não é possível aplicar a teoria do direito ao esquecimento para impedir a publicação futura de reportagens sobre um crime ou sobre as pessoas condenadas por ele, pois isso configuraria censura prévia – mais ainda em casos que tiveram ampla repercussão na sociedade.
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, o interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de um crime notório torna “incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio”.