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Drª Aline Barcellos Lopes Plácido
Dr
Resumo
O presente artigo traz um exemplo de como a Musicoterapia pode auxiliar no adoecimento emocional infantil, principalmente os ligados aos próprios conceitos infantis de abandono, injustiça, medo, frustração, entre outros sentimentos negativos comuns, principalmente em crianças menores, de zero a seis anos, que ainda apresentam o egocentrismo infantil.
Não se tratará neste artigo de birras ou momentos de desregulação emocional por desejos não alcançados. Discorrer-se-á sobre o uso da musicoterapia no adoecimento efetivo por acontecimentos duradouros ou rotinas que afetam a emoção da criança negativamente e que, apesar de negativas, não há como serem evitadas para a criança.
No presente caso, relata-se a situação de um menor, neurotípico, de cinco anos, cuja rotina foi afetada pelas necessidades terapêuticas do irmão mais velho, de oito anos, com diagnóstico de TEA e como a musicoterapia auxiliou essa criança, no final de sua primeira infância, reverberando sua ação, inclusive, na vida de seu irmão autista e de sua família.
Palavras-chave: Infância. Musicoterapia. Afeto. Família. TEA.
Introdução
Definir musicoterapia é parte integrante de ser um musicoterapeuta. Dificilmente passa-se um dia sem que um musicoterapeuta receba a pergunta inevitável “O que é musicoterapia?” A pergunta surge ao encontrar clientes e seus familiares pela primeira vez, ao começar num novo emprego, ao ser apresentado a colegas de trabalho e gestores, ao conversar com futuros estudantes, ao recrutar sujeitos para pesquisa, ao escrever sobre o campo e em incontáveis outras situações profissionais. E se isso não for suficiente, o tema é também o primeiro tópico de discussão em muitas situações sociais, tais como ser apresentado numa festa ou ao conhecer um novo amigo. Nunca falha: depois do “o que você faz?” seguido por “sou musicoterapeuta”, haverá um longo e respeitoso silêncio, um olhar espantado e o inevitável: “o que exatamente é musicoterapia?” (Bruscia, 2015, p.38)
Sem trazer à finitude essa complexa definição, trata-se, nesse artigo, a musicoterapia como um processo terapêutico que se utiliza da combinação de conhecimentos da arte musical e da saúde para promover o bem-estar e a reabilitação de pacientes que para ela tenham indicação.
Seus lugares principais, atualmente, são: creches, escolas, clínicas de reabilitação, ONGs, hospitais, centros de terapias holísticas, asilos, prisões, entre outros locais em que crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos necessitem de seus cuidados para o alívio de questões como: distúrbios emocionais, tratamento anti-estresse, transtornos diversos, controle da dor, deficiências diversas, dependências ocasionadas por vícios, neuroses etc.
Além desse público, encaixam-se como alvos dos cuidados da musicoterapia aqueles que a procuram para regulação e manutenção de seu bem-estar emocional e/ou espiritual ou para fomentar seu potencial criativo.
Falou-se, acima, de um dos conceitos de musicoterapia, de seus lugares e seus públicos-alvo. Vale ressaltar, também, seus propósitos. Pode fundamentar-se em ações educativas e recreativas, em reabilitação, prevenção e intervenção em diversas doenças, sejam físicas, emocionais, intelectuais, sociais, espirituais. Para cada foco, métodos diferentes de ação são requeridos e podem envolver a escuta, a improvisação, a performance, a composição, o movimento ou a fala e podem incluir experiências adicionais em arte, dança, teatro e poesia.
“ (…) sabemos que o maior dos males do ser humano sempre foi a impotência perante a morte e, neste sentido, a angústia consciente da finitude humana levou os indivíduos a procurarem explicações e modos de exacerbação e de expressão de sentimentos ao mesmo tempo que se tratavam desta aflição incessante (cf. Leinig, 1977, p. 13) através da terapêutica musical. Neste sentido, compreende-se desde muito cedo a utilização de musicoterapia para aliviar as crises existenciais e de ansiedade.”(Liveira; Gomes, 2014, p.754)
A musicoterapia tem sido frequentemente usada, principalmente no coletivo, como terapêutica de auxílio à organização emocional e combate ao estresse de adultos e idosos, com sucesso. Já entre as crianças, a escolha tem sido o trabalho terapêutico que envolve, na maioria das vezes, a reabilitação psicomotoras e das funções executivas em síndromes, transtornos, baixo desempenho escolar que, ao alcançar o sucesso, traz consigo a melhora da autoconfiança e da autoestima.
Há, porém, crianças, principalmente as menores, entre zero e seis anos, que estão adoecidas emocionalmente e negligenciadas em razão de uma cultura que alimenta a não existência de problemas para esse público. Se a criança pequena não tem os mesmos compromissos de um adulto, a crença popular acredita não haver motivos para essa criança sofrer emocionalmente. Por essa razão, as clínicas e os ambientes em que a musicoterapia é oferecida, ainda não tem esse público como constância em suas atividades. A triste verdade é que essa criança em sofrimento emocional crescerá assim e será o adolescente e o adulto depressivo e, muitas vezes, com sequelas irreparáveis. Segundo a ABRATA — Associação Brasileira de Familiares e Amigos de Portadores de Transtornos Afetivos, a depressão afeta de 2% das crianças e 5% dos adolescentes do mundo.
Não sabendo nomear suas emoções da mesma forma que um adulto, muitas vezes o adoecimento emocional infantil é traduzido apenas como fase de falta de educação, de birra, mau-humor, tristeza e agressividade. Aos pais e cuidadores fica o alerta para quadro de tristeza e melancolia mais intensos, a persistência e as mudanças em hábitos normais das atividades da criança, como, por exemplo, confinamento por mais tempo que normalmente se espera dela. Tais quadros devem ser mais observados em crianças que vivenciar algo traumática para ela, como: mudança de colégio, separação dos pais, morte de uma pessoa querida ou animal de estimação. Além dessas situações clássicas que podem ter como consequência o adoecimento infantil, outras mais sutis, ao olhar do adulto, são, de igual modo, causadoras de desregulação emocional. Uma delas é a mudança de rotina da família e essa pode se dar por muitos motivos: mudança de ambiente, chegada de um irmão, seja biológico ou por adoção, visitas que fiquem por mais de uma semana com a família, mudança de funcionários, cuidadores do lar e das próprias crianças etc.
Para todos esses casos, a musicoterapia tem o seu lugar de cuidado e muito se beneficiam aqueles que procuram seu serviço.
No presente artigo, apresentar-se-á o caso de um menino de cinco anos, neurotípico, cujo irmão mais velho, de oito anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, participa ativamente de terapias para tratamento de seu quadro autístico.
“Meu irmão é mais importante do que eu”: o papel da musicoterapia na autodepreciação infantil – um estudo de caso
Se a musicoterapia é usada para ajudar a criança a gerenciar seu comportamento, é esperado que a criança o faça não apenas na musicoterapia, mas também na sala de aula e em casa.
(…) a musicoterapia pode ser utilizada para ajudar uma criança abandonada a confiar nos outros o suficiente para interagir de forma mais livre e segura. Através de experiências musicais compartilhadas, a criança desenvolve sua confiança com o musicoterapeuta e interage com ele com calma e prazer. Assim, a criança está agora mais motivada a sentir e fazer algo que não era possível antes, mas, ao mesmo tempo, ela ainda não esta pronta para interagir da mesma forma com outros ou em outro setting menos controlado. Desnecessário dizer, é importante para a criança ter tais experiências positivas de interação, mesmo se a terapia não dure o suficiente para testemunhar transformações em outros ambientes. Isso não significa que a generalização não seja importante na terapia; significa apenas que a terapia ainda desempenha um papel vital embora limitado no desenvolvimento desta criança. (Bruscia, 2015, p. 171)
Aos cinco anos, o menor atendido estava em casa, entristecido e choroso no último mês antes da intervenção com musicoterapia. A razão era que seu irmão mais velho, com oito anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, estava participando de atividades terapêuticas e ele, não. Relatou aos pais que ele queria ir “brincar” com o irmão e não entendia o porquê de o irmão fazer atividades “legais” e ele, não. Por mais que os pais procurassem explicar, ele não entendia o que realmente acontecia e se sentia abandonado.
Nos momentos da terapia do irmão mais velho, ele acompanhava até à clínica terapêutica e via outras crianças sendo igualmente atendidas como o irmão. Tal situação aumentava sua indignação, uma vez que apenas ele não era atendido em sua necessidade de brincar. Não conseguia ver os pares como diferente e necessitando de atenção igualmente diferenciada. O estresse dos pais com a situação também aumentou, uma vez que não viam solução para o caso.
Além disso, em casa, muitas vezes, o irmão autista recebia, em sua visão, mais atenção do que ele. O fato de o irmão ser especial não era compreendido pelo menor e esse entristecia-se e inconformava-se mais a cada dia.
Os pais, preocupados com a duração do quadro de adoecimento emocional e após conversarem com a criança, propuseram a ele um curso de música. Ele escolheu o piano como instrumento. Os pais procuraram, então, o serviço de aulas de piano, relatando o caso. Para o professor, ficou nítido que o adoecimento emocional do menino necessitava mais do que suas aulas de piano. Foi-lhes oferecido, então, a musicoterapia, em processo psicoterapêutico com o foco de ajudá-lo a compreender, expressar e lidar com sentimentos em relação a si mesmo, seus entes queridos e suas relações familiares. Explicou-se o conceito de musicoterapia e que durante a jornada de cura do filho, o instrumento seria inserido sem pressa, no momento certo em que o menino se sentisse seguro de si e pronto para o desafio.
Apesar de a busca dos pais ter sido pela aula de piano, alertou-se para o fato de que a forma mais interessante de abordar o desejo pelo instrumento musical a ser tocado pelo menor seria deixá-lo ter diversas experiências, entre percussão, cordas, sopro e teclas para, finalmente, poder fazer sua escolha, uma vez que a escolha dele teria se dado por ver pianistas tocando durante o culto de sua igreja.
Os pais aceitaram as propostas e orientações e iniciou-se o trabalho com uma sessão por semana, a princípio, por 30 minutos. No segundo mês, a duração passou a ser de uma hora.
Metodologia da intervenção da musicoterapia
Na Brincadeira Musical Terapêutica, o terapeuta utiliza a música, jogos, atividades recreativas e outras artes como formas breves ou ocasionais de diversão para crianças passando por períodos ou situações difíceis. Esta prática é particularmente relevante com crianças traumatizadas ou hospitalizadas. Ver Bradt (2013) e Froehlich (1996). Além disso, a brincadeira musical terapêutica é muitas vezes utilizada para facilitar o aprendizado ou o crescimento e/ desenvolvimento de crianças normais ou em situações de risco (…). (Bruscia, 2015, p.213)
A partir da anamnese feita com a mãe e da entrevista realizada com o menino, levantaram-se seus interesses, suas forças e fraquezas para o direcionamento das ações durante as sessões, desde as escolhas dos materiais utilizados, perpassando pelo repertório e chegando às definições das atividades propostas.
As sessões iniciais foram de formação de vínculo emocional e de confiança. Procurou-se iniciar com a música infantil preferida do cliente, apresentando-lhe alguns instrumentos para acompanhar, além de cantarmos e usar o corpo para acompanhar a música. Sentiu-se, nesses primeiros encontros, que o menor ficava muito à vontade e demonstrando alegria durante a brincadeira com sua música. Depois desse momento, que terminava com ambos, o terapeuta e a criança no chão, de pernas cruzadas e apenas acompanhando com palmas e cantando, era perguntado se ele gostaria de falar alguma coisa legal que ele tinha vivido na semana anterior. Nesse momento, suas queixas em relação aos pais no trato com o irmão eram o foco da conversa. Levado a observar que, a partir daquele momento, ele também tinha sua atividade, o menino concordava, porém, ainda achava que era menos atividade do que o que era oferecido ao irmão. Essa observação veio apenas na primeira sessão, pois não sabia que levaria atividades para casa e que teria encontros online com a terapeuta.
Depois da desaceleração, eram apresentados símbolos musicais em forma de jogos (memória, dominó, tabuleiro) e pinturas ao som de uma música relaxante. Ainda não se trabalhou, nas primeiras duas semanas, com a criatividade musical e com improviso, uma vez que a criança se apresentava mais receptiva do que disposta a criar musicalmente.
Para se tentar expandir a capacidade de criação, traçou-se um plano de começar pelo que mais o interessava: a pintura e o desenho. Nas atividades de pintura, o desafio era desenhar a música com cores e formas que melhor as representasse. A cada duas sessões, dois ritmos diferentes eram tocados, com trechos musicais que duravam 3 minutos para a formação de um desenho básico a lápis e, depois, voltavam-se aos trechos musicais para, então, estabelecer-se a pintura dos desenhos feitos. Essa exposição da melodia, do ritmo e dos timbres em desenhos e pinturas trouxeram o aguçar da criatividade e o sentimento da autoestima que a criação traz ao autor. O objetivo dessa atividade era o resgate da autoestima e da valorização enquanto influenciador no ambiente. Buscava-se, com isso, que o cliente saísse da inércia de apenas receber, mas que fosse capaz de usar o poder criativo e o reconhecimento do seu valor para as questões do seu cotidiano, desde solução de problemas a escolhas que o beneficiassem, além de iniciarem-se as atividades de improviso e criação musical.
(…) Bruscia, explicitamente ou não, remete a várias possibilidades da criatividade mostrar-se no processo musicoterápico. Essas manifestações giram em torno dos seguintes eixos: como, através de experiências musicais (compor, improvisar, re-criar e escutar), o cliente pode vir a superar seus obstáculos e tornar-se compositor de si na improvisação de seu viver, ou seja, viver plenamente e, portanto, criativamente; como o terapeuta ajuda o cliente a se tornar pessoa através de intervenções e compreensões criativas a respeito do último; o surgimento de materiais musicais criativos, ou seja, o criar e re-criar música na relação de ajuda musicoterápica; e, por fim, a possibilidade da música agenciar relações novas e criativas para além de si mesma. (Frigatti, 2007, p. 1)
Nas duas primeiras sessões, nos ocupamos em compreender como funciona o teclado e suas partes, conhecendo sons de diversos instrumentos, alturas e ritmos. O cliente levava atividades para serem realizadas em casa, com a ajuda dos pais, buscando maior integração e sentimento de pertencimento e cuidado. Duas vezes por semana, fora das sessões de musicoterapia, era surpreendido por uma ligação em vídeo para ouvir uma pequena música com o terapeuta e criar movimentos juntos. Daí, iniciou-se um processo criativo que incluiu a presença do irmão mais velho em alguns desses momentos.
A partir da terceira sessão, trabalhamos no aguçar do reconhecimento de alturas e timbres e na escolha desses para criações musicais instrumentais. Ao escolher altura e timbre, passou-se a estabelecer qual ritmo seria apropriado para tal criação. Foram utilizados instrumentos como flauta doce, violão, pandeirola e teclado. No início, a melodia fundia-se ao ritmo, obedecendo às batidas da pandeirola. Cada nota, uma batida. Com o tempo, treinando o ritmo de músicas conhecidas, a criação de canções cuja melodia e ritmo eram consoantes tornou-se mais comum.
A contar da sexta sessão, iniciou-se o processo de musicalização infantil com aprendizado mais detalhado, unindo todas as informações já apreendidas nos jogos das primeiras sessões e correlacionando-as à pauta musical e ao teclado. Observou-se como foi fácil a compreensão dessa sistematização, uma vez que, pela musicoterapia, internalizou-se a apreciação e o fazer musical.
Atividades no computador também fizeram parte do repertório, com jogos diversos de teclado e de teoria musical para pré-escolares. Tais atividades também foram direcionadas para casa e fizeram sucesso não somente com o cliente em questão, como também despertaram a curiosidade no irmão mais velho.
Nessa etapa da musicoterapia, as ligações por vídeo para as atividades de criação diminuíram e deram lugar a chamadas para acompanhamento da prática no teclado. O menor sentiu-se bastante ocupado com suas atividades, e seus sentimentos de autodepreciação começaram a dar lugar ao empoderamento e à autoconfiança. Empoderamento por entender o seu lugar no seio da família, pertencimento com o grau de importância devido, e autoconfiança por se ver capaz de criar, aprender e expressar-se através da música e das suas ações em sua tenra vida.
O que se observou foi que a criança precisava de estímulos, e seus pais estavam mais ocupados com seu irmão mais velho, devido a cuidados mais exigentes que lhes custavam maior tempo de investimento. A musicoterapia veio como segundo recurso escolhido, pois procuraram, em primeiro lugar, um professor de piano. Apesar de ser o segundo recurso procurado, pôde mostrar toda a sua importância ao desenvolver na vida do menino resgates importantes e, principalmente, ao mudar suas emoções: em lugar de tristeza, alegria e satisfação. Esse foi o primeiro objetivo do processo terapêutico.
Já o que almejavam os pais — as aulas de piano — veio em forma criativa e sistematizou-se após o cuidado com as emoções. Vale ressaltar que as aulas de instrumentos, principalmente para crianças menores, podem provocar mais desajustes quando se utilizam métodos clássicos de ensino, que apenas envolvem reconhecimento das notas, seu posicionamento correto no instrumento e execução em ritmo perfeito guiado pelo temível e odiado metrônomo. Tais práticas nunca constituirão prazer no aprendiz. O metrônomo é assim visto porque a música não penetrou na alma e nada faz sentido, a começar pelo ritmo. Esse menino, em seus cinco anos, colocado em uma aula de piano, com seu adoecimento emocional, sua falta de potência e sua autoestima baixa, com certeza não teria boa experiência. Pelo contrário, sua alma adoecida sofreria ainda mais.
Outra observação importante a se fazer é que, na vida do menino de cinco anos, os efeitos da musicoterapia reverberaram para alcançar a sistematização do ensino do teclado de forma natural, levando-o, gradualmente, a desejar conhecer e tocar músicas com partitura. Em uma das sessões, ao ver o terapeuta tocando, declarou querer tocar da forma que ele tocava, olhando para a partitura, lendo e tocando no piano. Foi um caminho que se percorreu até a fundamentação desse desejo, que alguns não veriam razão em percorrer. Faz-se urgente a divulgação da musicoterapia como promotora do bem-estar e da saúde da alma, das emoções, de fomento da ação criativa e da formação do músico contemporâneo.
Tratando dos seus laços afetivos com sua família, todos se encontraram envolvidos nas alegrias despertadas no menor. Seu irmão de oito anos, autista, começou a se interessar pela musicoterapia e, então, foi conversado com os pais sobre os benefícios da prática na vida de crianças com Transtorno do Espectro Autista. A princípio, orientou-se que, ao investir na musicoterapia para seu filho maior, o profissional fosse buscado, primeiro, na clínica onde realiza as demais terapias, uma vez que esse grupo de terapeutas pode fazer suas reuniões e definir seus atendimentos em cooperação para cada criança.
Para o autista, a musicoterapia trabalha nas dificuldades nas habilidades sociais com efeitos profundos sobre a melhoria dessas habilidades. Promove a satisfação emocional e o bem-estar a partir da diminuição do estresse, redução da ansiedade, melhoria nas expressões de sentimentos e na comunicação de ideias e desejos. No geral, vê-se melhora nos comportamentos sociais, aumento do foco e da atenção, da capacidade de memória, contribuindo também com a forma de comunicação, no que tange ao equilíbrio das vocalizações, verbalizações, gestos e aumento de vocabulário, além da consciência corporal e coordenação. A criatividade, que muitas vezes fica no íntimo do autista, é trabalhada em socialização e interação. Como alguns sofrem da comorbidade do TDAH — Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade —, a musicoterapia também auxilia no controle dos sintomas hiperativos. Enfim, além de prazer, a cognição do autista também é bastante trabalhada, trazendo melhoria no quadro geral do paciente.
Sobre o irmão menor, antes de iniciar o processo terapêutico, começou a apresentar traços autísticos que se repetiam durante as intervenções: estereotipias, como passar a mão em todo o rosto e, depois, esfregar os dedos uns nos outros repetidamente. Sentia alívio, também, em rodar a cabeça de um lado para o outro quando se sentia mais estimulado. Apesar desses traços, não foi diagnosticado, nem encaminhado pela pediatra para investigação neurológica ou neuropedagógica. A alegação foi a de que tais traços surgiram em meio ao seu adoecimento emocional e também poderiam estar presentes por analogia de comportamento com o irmão mais velho, que possuía suas estereotipias também, semelhantemente.
Ao final de dois meses, aproximadamente, os traços autísticos diminuíram bastante. Mas, foi orientado à mãe que, aos seis anos, realizasse investigação com neuropsicólogo.
Considerações Finais
Todo o trabalho com o menor foi produtivo, alcançando resultados satisfatórios no reequilíbrio de suas emoções e na regulação de seu olhar em relação à sua família e, principalmente, no seu posicionamento nessa organização familiar. Sua autoestima foi resgatada e seu poder criativo alcançou sua vida cotidiana, como objetivado, fazendo com que conseguisse amadurecer suas ideias ao conversar com seus pais a respeito das decisões tomadas. Continuou desejando atividades extras, se comparando ao irmão, porém, agora, em vez de entristecer-se e isolar-se, como antes do processo terapêutico, colocava-se em conversa com os pais, expressando seus desejos.
Os pais notaram maior alegria e satisfação com o filho envolvido nas atividades musicais que, de musicoterapia, somou práticas de musicalização infantil, permitindo o menor a prática do teclado e a apreensão de conceitos como altura, timbre, duração, melodia, harmonia, ritmo, nomeação de figuras musicais e leitura da pentapauta etc.
Para além dos objetivos traçados a partir da entrevista com os pais e da anamnese, sabe-se que, pela própria natureza da música e seu uso como terapia, no contexto funcional da musicoterapia, a música ativa diversas regiões cerebrais responsáveis pela regulação fisiológica, pelo aprendizado e pela memória, uma vez que cérebro capta as vibrações do som como uma fonte de estímulo. Assim sendo, nessa prática terapêutica, não se tratam apenas doenças, mas, também desenvolve-se cognitivamente quem dela se beneficia.
Tal dimensão, nos pré-escolares submetidos à musicoterapia, é de grande valia, pois se trabalha uma série de habilidades e competências necessárias ao processo de alfabetização, tais como: desenvolver a oralidade, feita através do canto e do conhecimento do vocabulário musical agregado; memória fonológica, consciência sintática, consciência fonológica, percepção auditiva para se ter facilidade na apreensão dos sons das letras; desenvolvimento da coordenação motora e consciência corporal: motricidade ampla, através das danças e expressões musicais corporais, e fina, através do uso do instrumento e dos exercícios de teoria musical, tanto no computador quanto em folhas.
Além de todas essas habilidades, ter contato com as partituras, material escrito em linguagem musical, e seu uso de leitura programada da esquerda para a direita, com certeza é de grande auxílio para a apreensão e sistematização da leitura.
As funções executivas – a atenção, a flexibilidade cognitiva, o controle inibitório, o planejamento e memória de trabalho – tão necessárias à aprendizagem e às habilidades elencadas acima, também se beneficiam da musicoterapia e das atividades de musicalização infantil.
Enfim, os ganhos foram, sem dúvida, para além do esperado.
Urge a necessidade da propagação da musicoterapia como meio de amenizar as doenças diversas já mencionadas nesse artigo (distúrbios emocionais, transtornos diversos, controle da dor, deficiências diversas, dependências químicas, neuroses etc.) e para tratar daqueles que buscam regulação e manutenção de seu bem-estar emocional e/ou espiritual ou para fomentar seu potencial criativo. O universo de ação é grande, porém, o desconhecimento dessa prática também. Deseja-se que os musicoterapeutas sejam os primeiros a divulgar seu trabalho como profissionais efetivamente preparados para essa enorme demanda.
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