A responsabilidade civil nos estádios de futebol

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estadio de futebol
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A responsabilidade civil é toda ação ou omissão que gera violação de uma norma jurídica legal ou contratual. Assim, nasce uma obrigação de reparar o ato danoso. Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho, a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que se originou da violação de dever jurídico originário.

No Brasil, desde o começo do século XX, o futebol é um esporte de extrema importância para os cidadãos, afetando grande parte dos brasileiros e movimentando milhões de reais por ano, dos quais considerável fatia é proveniente do comparecimento dos torcedores aos estádios. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), em 1950, 199.854 pessoas compareceram ao Estádio Maracanã para acompanhar o jogo entre Brasil e Uruguai, válido pela final da Copa do Mundo (FIFA, 2021). Ocorre que, frequentemente, algumas pessoas sofrem danos decorrentes desses eventos, geralmente ocasionados pela própria torcida presente no estádio.

Nesses casos, procura-se imputar a alguém a obrigação de reparar, a fim de que a vítima do dano não arque com os resultados de uma ação sem qualquer contrapartida do responsável. O problema reside na dificuldade imposta à vítima de identificar individualmente os torcedores responsáveis pelos fatos, o que, sem as soluções jurídicas adequadas, poderia impedir a concretização da reparação do dano.

Hoje, a responsabilização centra-se na reparação do dano, caminhando em marcha acelerada no sentido da responsabilidade fundada no risco e colocando em destaque o nexo de causalidade, elemento básico da responsabilidade civil e que ganha especial relevância no âmbito desportivo. Nesse contexto, o nexo de causalidade é a ligação que deve existir para que a responsabilidade civil incida entre o fato ilícito e o dano por ele produzido.

Desde 2003, a Lei n. 10.671, conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) (BRASIL, 2003), é o principal corpo legislativo responsável por regular os casos envolvendo torcedores no Brasil. O art. 3º da referida lei dispõe que:

Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. (BRASIL, 2003).

Ainda, o art. 19º do mesmo diploma diz que:

As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo. (BRASIL, 2003).

Ao fazer referência ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e equiparar o torcedor ao consumidor, a lei propõe uma forma de tratamento a esses casos, que busca tornar a relação mais igual e minimizar a fraqueza jurídica do torcedor frente ao clube de futebol. Assim, os fornecedores têm a obrigação de oferecer apenas serviços de qualidade e seguros, que não imponham risco à saúde e à incolumidade física das pessoas.

Ademais, é importante salientar que o Estatuto do Torcedor, em seu art. 16, traz a previsão sobre a contratação de seguro de acidentes por parte do clube e da organização do evento futebolístico, o qual o torcedor será o beneficiário dessa Apólice de Seguro. Vejamos:

Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição:

(…) II – contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio;(…)

Deste modo, é muito comum pessoas que sofrem algum dano dentro do Estádio ao sair de suas casas para ver o seu time do coração, que acabam sofrendo algum tipo de dano e não sabem desse benefício que possuem.

O Superior Tribunal de Justiça condenou solidariamente o São Paulo Futebol Clube e a Federação Paulista de Futebol para que indenizasse os torcedores corintianos que sofreram lesões, após o término da partida que foram ocasionadas por bombas em 15/2/09.

O RECURSO ESPECIAL 1773885 – SP, julgado pelo Ministro Relator Ricardo Villa Bôas Cueva em 30 de agosto de 2022 decidiu:

“Além disso, o art. 19 da mesma lei prevê a responsabilidade solidária e objetiva “pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança”. Ressalta-se, ainda, que essa lei adota, no tocante à responsabilidade, a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, notadamente dos seus arts. 12 a 14, que tratam da responsabilidade do fornecedor por fato do serviço ou produto que, como se sabe, é aquele vício grave que gera acidentes de consumo, bem como, em seu art. 3º, equipara a fornecedor a entidade responsável pela organização da competição e a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. Não há dúvidas, portanto, de que a teoria de responsabilização no caso concreto é de ordem objetiva, ligada ao fato e ao risco da atividade e desprendida da prova da culpa (teoria subjetiva). Por outro lado, a legislação brasileira citada não adota a teoria do risco integral, admitindo, portanto, a isenção da responsabilidade, caso comprovada a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ou a ausência de dano”.

A Corte fundamentou a decisão utilizando o artigo 13 do Estatuto do Torcedor, que traz “Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas”. Sendo assim, o responsável pelo espetáculo deverá proteger os consumidores do evento.

Não obstante, o São Paulo Futebol Clube ingressou com Recurso Especial, alegando haver cumprido os requisitos essenciais de segurança e que as confusões ocorreram a partir de uma bomba caseira arremessada do lado externo do estádio.

Desse modo, os policiais acharam que os torcedores do Corinthians estavam em conflito e arremessaram mais bombas ocasionando dano aos espectadores que ali se encontravam.

Entretanto, o Tribunal entendeu que o sistema de segurança foi falho por não proteger os torcedores corintianos desse atentado e permitindo que os torcedores são-paulinos arremessassem as bombas cadeiras.

O Estatuto do Torcedor regula:

Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

  • 1º Os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as partidas da competição.

Dito isto, a Corte entendeu que não bastava apenas o Clube convocar os Policiais Militares, eles também deviam agir e atuar na segurança dos torcedores presentes.

No ano de 2021, a Ministra Nancy Andrighi decidiu no Recurso Especial 1.924.527/PR que: “o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança”.

Em 2020 a equipe do Flamengo também foi condenada por não garantir a segurança no estádio, o jogo foi entre Flamengo e Palmeiras no ano de 2016, realizado em Brasília.

Os tribunais estão decidindo que há responsabilidade dos clubes em falta de segurança que possa ocasionar dano aos torcedores presentes.

Desse modo, Sergio Cavalieri Filho determina que “o dano patrimonial pode ser conceituado como aquele que “atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente”.

Ressalta-se que desde 03 de abril de 2016 os clássicos paulistas se encontram com torcida de forma única, justamente por causa de uma briga de torcedores envolvendo palmeirenses e corintianos.

Por fim, destaca-se que essa decisão do Superior Tribunal de Justiça abre um precedente de que todas as atividades lesivas aos espectadores em eventos esportivos deverão ser indenizadas pelos responsáveis pelo espetáculo e pelas entidades que administram o local.