Mediocrização e a modernidade

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É fato notório que sempre que nos reunimos em rodas de conversas, seja onde for, especialmente entre as pessoas de meia idade, um assunto que quase sempre vem à baila é sobre as mudanças que têm havido na sociedade moderna, no que diz respeito às inovações, aos padrões sociais de relacionamentos, aos valores éticos, religiosos e culturais, nos novos padrões sociais comportamentais e assim por diante. São muitas transformações simultâneas nesse mundo contemporâneo, rápidas e profundas.

Entre os diferentes aspectos, um que se sobressai é a velocidade com que as coisas mudam, fato que colabora para a superficialidade e a efemeridade das relações sociais e humanas e a precarização dos valores éticos, morais e de comportamentos. A precarização de valores sociais, éticos, religiosos é tão contundente que, a meu ver, chega às raias da mediocridade. Em Aurélio, o termo medíocre faz referência àquele ou àquilo que tem pouco merecimento, que é ordinário, insignificante, irrelevante, vulgar. Algo ou alguém que tem pouco valor, desprezível. Mediocrizar, portanto, é um processo de promover, garantir as práticas de tornar algo, os homens e as coisas de dentro ou fora dele, medíocres.

No mundo contemporâneo, especialmente na atual forma das pessoas se comportarem, há muito desse processo se estabelecendo. A rapidez com que as coisas acontecem, as mudanças inusitadas, repentinas e efêmeras nas relações sociais e culturais, das amizades, relações familiares, das relações humanas, a demolição absurda e inexplicável dos valores humanos, contribuem, enormemente, para efetiva mediocrização da sociedade moderna.

Vejam o que há na música. Acabaram com ela, deformaram, mutilaram algo que nos eleva, nos faz pensar, sentir, refletir. Muitas são um enlatado de frases de efeitos, sem canção, sem gosto, sem poesia e sem tradição. Saiu-se de uma época em que as músicas eram cantadas, tinham melodia, enredo e poesia, para uma época de exortação do banal, sem expressão artística, sem qualquer sentido e propósito. Músicas feitas “nas coxas”, como se diz, monótonas, monotônicas, destituídas de expressão e de valor. É isso que atrai multidões, mobiliza as massas populares e as empresas produtoras musicais, investindo maciçamente nessas enxurradas de músicas medíocres.

Diante disso, muitos de nós não conseguem acompanhar tais mudanças paradigmáticas, gerando, por isso mesmo, uma sensação desagradável de insatisfação e frustração em cada um, nesse processo de atraso transcultural. Se verificarmos mais profundamente, não é só na música, mas nas artes em geral, na formação profissional e acadêmica das pessoas, nas atividades profissionais, no manejo da coisa pública, na prática profissional, na política, na gestão da coisa pública, na moralidade desses processos, na honradez e em tudo mais. O que está muito presente é uma onda incontrolável e avassaladora de mediocrização de valores destas atividades e de outros comportamentos na sociedade atual.

Para onde se vira, defronta-se com uma onda descomunal de desconstrução paradigmática, onde o eixo está centrado em ideologias e crenças inconsequentes.                Parece que tudo está se banalizando aceleradamente e, em sendo assim, tudo deve ser “aceito” sem resistências e sem diálogos que tenham como base a realidade.

Ficamos atônitos e calados, sem resistir ou propor outros caminhos para supostas reformas. Engole-se “goela abaixo” situações discrepantes do ponto de vista político, social e ético, sem aprofundamentos, nem exames criteriosos sobre a intenção de mudança, como se devêssemos aceitar tudo como algo natural e banal.

Se você observar a nova realidade da vida moderna, somos mais expectadores contemplativos e inertes e não os agentes proativos e responsáveis pelas profundas mudanças que a cada hora surgem entre nós. Isto é, as mudanças que estão aí em enxurradas nos paralisam e não estão a serviço de nós mesmos, no mais amplo sentido do bem estar social e das pessoas. Muitas estão à serviço da mediocridade, do utilitarismo, do casuísmo e da banalidade.

Se virarmos a vista para a política, a coisa é bem pior. Mantêm-se as mesmas práticas de sempre. O pouco caso na gestão pública, do fisiologismo, do utilitarismo, do grupismo, do partidarismo na gestão da coisa pública é, como sempre foi, a bola da vez. Quem não estiver engajado nesses quadrantes, a luta para sobreviver é enorme.

As práticas políticas permanecem as mesmas, prevalecendo a efemeridade e o descompromisso com as grandes questões sociais, políticas econômicas. As profundas distorções na distribuição de renda, a violência campesina, urbana e doméstica, disseminada em todos os sentidos, poucos possuidores de altos salários, benesses e privilégios em detrimentos de uma imensa maioria de seres humanos desbeneficiados lutando atrozmente por um prato de comida e de um mísero emprego.

Sob a matiz da modernidade, o superficial vence o profundo, o virtual vence o real e a moral é derrotada pelo crime e pelo ódio, onde um quer acabar com o outro gerando grupos grandes e pequenos fechados em si mesmos, encastelados em seus propósitos egoístas e egocentristas.